STF: Finaliza julgamento sobre a multa fiscal qualificada e redefine limites.
Créditos da imagem: O Globo
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, na quinta-feira (03/10), o julgamento sobre a constitucionalidade da multa fiscal qualificada de 150%, prevista no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996. O resultado estabelece limites importantes para a aplicação de penalidades fiscais, com impacto direto nas administrações tributárias e nos contribuintes.
Contexto do Caso
O julgamento focou na multa fiscal qualificada, que se diferencia de outras penalidades aplicadas em questões tributárias. Basicamente, existem três principais tipos de multa no sistema tributário brasileiro:
Multa moratória: Aplicada em casos de atraso no pagamento de tributos, com caráter punitivo pelo descumprimento de prazos.
Multa de ofício: Imposta quando a fiscalização identifica a ausência de pagamento do tributo, normalmente fixada em 75% do valor devido.
Multa fiscal qualificada: Mais severa, aplicada em casos de sonegação, fraude ou conluio, podendo atingir 150% do valor do tributo.
No caso julgado pelo STF, a multa foi aplicada porque o tributo havia sido pago, mas houve descumprimento de uma obrigação acessória relacionada ao correto fornecimento de informações fiscais. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 736.090/SC (Tema 863), envolvendo a empresa Posto Tropiferco Ltda, que questionava a constitucionalidade dessa multa de 150%, alegando sua desproporcionalidade e possível caráter confiscatório, o que é vedado pelo artigo 150, IV, da Constituição Federal.
Premissas adotadas pelo Relator, Ministro Dias Toffoli
Ao proferir o voto final, o Ministro Dias Toffoli apresentou premissas que nortearam sua decisão:
Multa como obrigação principal: A multa qualificada deve ser tratada como uma obrigação principal, e não acessória.
Potencial confiscatório da multa de 150%: Toffoli reconheceu que, em certos casos, essa multa pode ter caráter confiscatório.
Relação cooperativa entre Fisco e contribuinte: Destacou a importância de uma relação de confiança e cooperação, com base em um tratamento justo.
Aplicação da Lei Complementar: Até que o Congresso edite uma Lei Complementar sobre o tema, Toffoli defendeu a aplicação da Lei nº 14.689/23.
Diferença entre condutas dolosas e não dolosas: Ressaltou a necessidade de diferenciar fraudes de erros ou omissões, aplicando sanções proporcionais.
Tese Firmada
Com base nessas premissas, o relator firmou a seguinte tese: “Até que seja editada Lei Complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% do débito tributário, podendo ser de até 150% no caso de reincidência, conforme o art. 44, § 1-A, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 14.689/23.”
Modulação dos Efeitos
O STF modulou os efeitos da decisão, estabelecendo que os novos limites para as multas fiscais qualificadas terão validade a partir da publicação da Lei nº 14.689/23, mantendo os parâmetros anteriormente aplicados pelos entes federais (como uma trava de segurança para evitar uma guerra fiscal), desde que dentro dos limites estabelecidos pela tese. Foram ressalvados os processos administrativos e judiciais em andamento, que serão regidos pela legislação anterior.
Posições dos demais Ministros
O Ministro Flávio Dino fez observações importantes, posteriormente acatadas pelo relator, tais como:
Estigmatização do direito tributário: Dino criticou a estigmatização do direito tributário, apontando que essa visão distorcida afeta a compreensão das penalidades fiscais.
A multa pode ser confiscatória: Ele destacou que, embora a multa não seja tecnicamente um tributo, pode ter um efeito confiscatório, principalmente em casos de fraude ou conluio.
Risco de guerra fiscal inversa: Dino alertou para o risco de que os entes subnacionais, ao estabelecerem multas inferiores às federais, possam gerar uma guerra fiscal inversa, criando vantagens competitivas ilegítimas. “A guerra fiscal é a canibalização das políticas públicas”, afirmou.
O Ministro Cristiano Zanin também contribuiu para o debate sobre a modulação dos efeitos, sugerindo que ela ocorresse a partir da publicação da Lei nº 14.689/23, com base no artigo 106, inciso II, alínea “c”, do Código Tributário Nacional (CTN). Zanin argumentou que, se fixado parâmetros a partir da lei federal, os efeitos da decisão seriam automáticos.
Por fim, o Ministro André Mendonça apresentou uma ideia cidadania fiscal, propondo que contribuintes que cumpram suas obrigações fiscais sejam “bonificados”, enquanto aqueles que as desrespeitem sejam penalizados de forma adequada. Assim, ele questionou se os entes subnacionais realmente não deveriam poder reduzir os parâmetros das multas, alertando que a medida poderia enfraquecer o cooperativismo fiscal.
Os Ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Gilmar Mendes acompanharam o relator. A Ministra Cármen Lúcia esteve ausente, justificadamente.
Impactos da Decisão
Dessa forma, o STF definiu limites mais claros para a aplicação de multas fiscais qualificadas, ajustando o valor máximo para 100% do débito tributário, exceto nos casos de reincidência, em que a multa pode alcançar 150%.
A decisão visa garantir que as sanções fiscais sejam proporcionais, evitando excessos que possam caracterizar confisco, e, a modulação dos efeitos, permite que as novas regras sejam aplicadas de maneira gradual, possibilitando que os entes tributários e os contribuintes ajustem suas práticas ao novo entendimento da Corte.